sábado, 22 de março de 2014

"Little Children"

Todos os dias vejo pessoas cujo a vida não passa de uma exaustiva espera. Não digo que a minha não seja assim. Por mais vitoriosa que a batalha por conseguir alcançar algo seja, no final todos estamos esperando algo. E assim surge as frustrações, sobre vidas aparentemente monótonas e o desejo e a procura de se sentir "Alive".
Little Children é um filme "wake up call", claro, a tradução no Brasil não poderia ser mais banal. "Pecados Íntimos" é o nome que os tradutores escolheram para as pessoas fúteis Brasileiras. Tenho martirizado sim todos os títulos nada criativos, que estragam a essência do filme. Mas gua, quem no Brasil ia assistir um filme que se chama "Criancinhas" ? Mesmo sendo com Kate Winslet? EU ia.

SPOILLER
Ordinárias donas de casa, aquelas que não tem o que fazer o dia todo, ou deixaram seus empregos para cuidar de crianças, sem propósitos nenhum além de criar seus filhos se encontram todo dia um parquinho do bairro. Sempre as mesmas pessoas, sempre as mesmas conversas, mesmos assuntos e mesma rotina. A foto da monotonia em si. Cuidando de suas casas e seus maridos, sempre procurando algo "novo". Sorte é ter um assunto na cidade. Ronnie, um pedófilo recém solto da cadeia, após cumprir pena por vários crimes contra crianças. Ele mora no bairro, e os vizinhos se indignam e só se fala nisso. Além do assunto mais falado, há o "Rei do Baile", um cara gato, que leva seu filho no parquinho algumas vezes. As mães, todas casadas tem então um colírio e uma fantasia pra voltar pra casa no final do dia.

Brad, o "Rei do Baile" tem uma mulher linda e apaixonada em casa, que trabalha como jornalista e sustenta a casa. Ele é advogado, não passou no conselho e por isso não pode exercer, então cria o garoto.
Em casa acho que Brad se sente tão frustrado quanto sua mulher Kathy, eles vivem no automático, não há libido, há controle de despesas, há frustração. Mas aparentemente são uma família feliz.

Enquanto isso, uma das donas de casa, Sarah se vê presa em um casamento entediante, com um marido nenhum pouco interessado nela, ausente e infeliz. O personagem de Richard é meio vago, mas dizem que no livro.
Tudo ganha sentido quando Sarah e Brad se envolvem inesperadamente por impulso. Decidindo então tomar coragem para satisfazer seus desejos em uma relação extra-conjugal. O início de um caso faz com que a rotina monótona seja substituída pelo interesse mútuo na busca de uma vida melhor envolto de algo proibido.
Paralelo a isso, todos estão falando de Ronnie, que é assediado constantemente por Larry (vizinho) que não se conforma em ter um degenerado sexual no bairro...
Enfim, é uma boa produção sobre a tentativa do ser humano em mudar sua história. A história massante e padronizada que achamos que temos que viver as custas do que os outros vão pensar.

A parte que eu mais gostei no filme, foi o exemplo da alienação e como podemos mudar nossa opinião com o passar do tempo e conforme as experiências que vivemos. Podemos notar que Sarah tinha seus valores e jamais imaginaria os corrompendo. Mas num "book club", quando todos opinam sobre um romance, Mary Ann (megera vizinha) dá sua opinião sobre um livro que ela acha "deprimente, pois a mulher trai o marido com dois homens, perde dinheiro, e se mata com veneno de rato". Mas as diferentes opiniões nos diz que no livro, Madame Bovary foi destruída por ela ser tão cega, vendo que os homens ao seu redor queriam apenas usá-la, mas ela queria apenas um pouco de romance na vida. Porém ai vem a escolha. Tudo é uma questão de escolha, e na época não existia escolha para as mulheres, você podia ser uma freira, uma esposa ou uma prostituta. Mary Ann ataca Sarah, dizendo que a personagem tinha a escolha de não trair o marido, ser vagabunda. Já Sarah diz a ela: "Eu acho que eu entendo seus sentimentos em relação ao livro, eu também tinha problemas em relação a ele antigamente, quando li ele na faculdade, Madame Bovary me parecia uma idiota. Ela casa com o homem errado, comete um erro atrás do outro. Mas quando eu li essa vez, eu me apaixonei por ela. Ela está presa, mas ela tem escolha, ela pode aceitar uma vida infeliz ou lutar contra isso. Ela escolhe lutar. Ela fracassa no final, mas há beleza e heroísmo em sua rebeldia". 
Mary Ann indignada com a opinião da colega, não se conforma apenas com a 'traição' da personagem. Ela não vê além disso. Sarah explica: "Não é traição, é o desejo, o desejo por uma alternativa, e a recusa em aceitar uma vida infeliz".

Ela se via em Madame Bovary. Era sua vida. com o risco de fracassar também.

O final é frustrante. A atitude de Brad é extremante inesperada, atrás de um novo rumo na vida, decide fazer as malas e ir atras de Sarah, mas ele simplesmente para no meio do caminho para "andar de skate" com uns garotos (esquecendo do que está a sua volta, devido a sua infância roubada, pensei), ele deixa Sarah sozinha a noite com a filha em meio ao perigo, abandonando-a e a deixando decepcionada. Essa atitude imatura dele quase desvirtuou toda a ideia que se tinha criado sobre o filme. É ai que refletimos e percebemos o quão imaturo Brad é, em tudo. Não foi adulto o suficiente para entender a mulher que, apenas estava se dedicando ao trabalho para sustentar a casa, mas mesmo assim se preocupando com ele e com o filho (ligando enquanto estava no trabalho, incentivando e apoiando sua tentativa de conseguir passar na prova, passando noites sozinha enquanto ele ia estudar), não foi adulto para entender a fragilidade do amigo (Larry) que passava por um momento delicado com seus demônios internos (querendo simplesmente não participar) e o ignorando quando ele apenas queria uma companhia ao final do jogo, sem nem ao menos avisá-lo sobre o furo no compromisso, não foi adulto nem para se esforçar e passar na prova (preferiu dar uma fugidinha sexual), e no final não foi adulto o suficiente para tomar as atitudes sensatas.
Apesar de a imaturidade ser em maior grau de Brad, todos os outros personagens parecem demonstrar falta de maturidade. Sarah no modo de se portar, maiôs sensuais, atitudes imaturas, Ronnie vive com a mãe que que lhe trata como criança, e faz tudo para ele. Larry que não aceita o rumo que sua vida tomou e por vezes age de modo irracional, Richard que parece um pré-adolescente quando passa a dedicar certas horas do dia a pornografia em casa e no trabalho, até Kathy quando percebe que existe algo entre Brad e Sarah tem uma ação primária ficando embaixo da mesa de jantar para ver se Sarah esfrega os pés na perna de Brad.
O título original "Criancinhas" demonstra bem o comportamento dos personagens nesses momentos, como diz a frase final: "Você não pode mudar o passado, mas o futuro pode ser uma história diferente. E ela tinha que começar em algum momento." e é justamente no final que as então "crianças" parecem amadurecer.


2 comentários:

Anônimo disse...

o que você achou do final de Ronnie e Larry, e de Sarah e Brad?

Screamer disse...

Bom, falei do final como um todo. Achei frustrante a escolha de Brad, depois te ter jogado tudo pro alto, ainda não escolhe ficar com Sarah. Esse do meu ponto de vista fantasia e romântico (que eu nem sei se existe).
Por outro lado, achei que o 'tombo' de Brad o acordou pra vida... E ele escolhe fazer o que a maioria do mundo faz. Continuar a vida medíocre que chamamos de "crescer", ser responsável... Assim como Sarah... Passar os minutos de tensão sem a filha, se tocando da loucura que estava fazendo, lembrando que ninguém fará por ela, ninguém irá cuidar dela. De novo... o que ocorre geralmente... Comodismo, outro "crescer"... Lary, por sua vez achei que foi o que tomou atitudes de homem. Arrependimento, desculpas, ajuda, enfrentar os medos independente dos outros, sem envolver ninguém. Sendo que a característica dele, seria bater a porta do carro e drive away. Ronnie também achei que apesar de não saber como lidar com sua "doença" no final quando se desespera, se mostrou o mais 'adulto' durante o filme, tentando ignorar o assédio, tentando viver uma vida normal apesar do mundo estar contra ele. Não sei se foi a intensão dos diretores mostrarem isso. Mas é o que eu achei. :))